quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A MÚSICA PRIMITIVA

Velha como o homem, a música existe desde o começo dos tempos e suas origens se confundem com as do homem.

É evidente que desde o começo do seu nascimento o ritmo foi essencial. Batidas das mãos, golpes com os pés, choque de duas pedras ou dois pedaços de madeira? Sem dúvida. Esses instrumentos de percussão, alguns desenhos vocais monódicos incansavelmente repetidos. Dessa arte primitiva as mais antigas civilizações da terra guardam ainda algumas características e certas práticas. Cantos de trabalho, cantos de encantamentos em particular existem até os nossos dias com alguns povos da África e América. Veja por exemplo um côro dos índios Barôro:

Dos elementos melódicos e harmônicos primitivos que chegaram até nós, a maioria são como os exemplos acima, remanecentes ainda nos povos indígenas ou aborígenes.

Ignorando as leis científicas que regem o universo, o homem primitivo chamava de “espíritos” e mais tarde “deuses” todos os fenômenos que ele não podia explicar: Crescimento de um vegetal, ordem das estações do ano, bom tempo e trovoada, dor e prazer, vida e morte, etc. A esses espíritos ele fazia feitiços para obter em troca favores. Seu melhor meio de sedução era o canto, dotado de grande poder mágico, misterioso e infalível e que variava segundo os resultados desejados.

Para agir sobre os animais, as pessoas e as coisas, existiam numerosos encantamentos: contra mordidas de cobras, contra doenças, para se comunicar com os espíritos, para domar os animais, para saciar a cólera e a vingança, para obter a chuva ou o bom tempo, para evocar os fenômenos, para trazer de volta os mortos sobre a terra, para expulsar ou acalmar os demônios, etc.

Alguns lendas de encantamentos

Contra enfermidades (Lenda Indiana) – Ao preparar um remédio, era preciso cantar uma fórmula determinada. Assim o remédio teria um gosto horrível para o demônio que habitasse o corpo do possuído de onde se queria expulsá-lo.

Encanto maléfico (Lenda Chinesa) – No século VI a.C. o duque Ling vai ao país de Tsin. Durante uma parada às margens do rio Pou ele ouve uma melodia tocada por uma cítara invisível que acompanhava uma área de seu tocador, também invisível. Depois disso, ele chega afinal ao país Tsin onde o rei o recebe magnificamente. Ao fim de um suntuoso banquete, o duque propõe ao seu hospedeiro que ouça a maravilhosa ária que ouvira no caminho. Nem bem havia começado a executar as primeiras notas, um dos convivas do rei veio impedi-lo de continuar, dizendo que aquela era uma música maléfica e que atrairia catástrofes. O rei teimoso, assim mesmo ordenou ao duque que cantasse a melodia. Assim que o duque começou cantar a primeira melodia, aves negras baixaram sobre o terraço do palácio, na segunda nuvens apareceram no céu, na terceira desencadeou uma ventania. Assustados e tomados de pavor se prostaram por terra. Durante três anos, o país foi desolado por uma grande seca que deixou a terra vermelha e estéril.

Para obter a chuva ou bom tempo

Lenda hindu – Uma jovem que cantasse em plena seca a música de encantamento correspondente à estação das chuvas levava todo o país a uma onda de bonança que o salvava da fome.

Lenda japonesa – Um dia o calor do sol deixou o mundo na escuridão e se escondeu numa caverna. Após inúteis pedidos, um deus juntou seis grandes arcos e os fixou ao sol. Ao fazer vibrar suas cordas à maneira de uma harpa, enquanto um outro deus marcava o ritmo, dançava e cantava com um ramo de bambú na mão. Curiosamente o calor saiu da caverna e a luz voltou a iluminar o mundo.

ORIGENS DA MÚSICA

“ Onde estava você quando eu lançava os fundamentos da terra? Diga se você sabe. Quem tomou as medidas da terra? Já que sabes; Quem estendeu sobre ela o cordel? Sobre o que repousam suas bases? Quem colocou nela a pedra de ângulo, quando juntas cantavam as estrelas da manhã e se alegravam todos os filhos de Deus?"(Livro de Jó Capítulo 38, Versículos de 4 a 7).

Determinar a origem da música é um desafio que muitos musicólogos não querem nem de longe enfrentar, por pensarem que é inútil e que nunca seremos capazes de determiná-la com exatidão e clareza. Os poucos que aceitam o desafio tem à sua disposição escassos documentos e meios para isso.

A bíblia em uma de suas muitas referências à música nos sugere que a música existe antes da terra. O texto do livro de Jó diz que quando Deus estava fazendo a terra os astros cantavam e os filhos de Deus faziam festa por causa disso.

Os poetas e filósofos gregos mais antigos atribuíam aos deuses mitológicos a criação da música. Muitos desses deuses e personagens das fábulas gregas eram músicos, veja:

APOLO - segundo a mitologia grega era exímio tocador de Lira,

PAN – Tocava flauta, instrumento que segundo a própria mitologia teria inventado,

ORFEU - outro deus grego também tocava a lira para acalmar as feras que vinham deitar-se aos seus pés. Quando sua mulher Eurídice morreu picada por uma cobra, ele foi aos infernos e conseguiu com o som melodioso de sua lira que as divindades infernais lhe devolvessem Eurídice, mas a perdeu porquê não cumpriu as condições impostas pelas divindades de só olhar pra trás quando saísse de seus domínios.

ARION – Poeta célebre grego do século VII a.C. Segundo a lenda, ele foi salvo da morte por golfinhos, encantados com o som de sua lira.

ANFION Segundo a fábula esse músico e poeta edificou os muros da cidade Thebas. As pedras do muro se moviam sozinhas e se punham no seu lugar ordenadamente ao som de sua lira.


Demócrito, historiador grego antigo (460 a 370 a.C), atribuia a origem da música à imitação do canto do cisne, do rouxinol, do barulho das águas, do assobio dos canaviais, etc. idéia que inclusive foi aceita por historiadores modernos como Cooke Stafford (1830) no seu livro de História da música, o que é pouco provável.

O poeta romano Lucrécio (95 a 53 a.C) e o historiador grego Deodoro da Sicília (Séc. I a.C) atribuíam também a origem dos instrumentos musicais a causas naturais, como o vento em atrito com o caniço de bambú teria inspirado os nossos ancestrais a construirem as primeiras flautas, o que também foi descartado.

O que é mais aceito é que a música nasceu com o homem, que linguagem e música nasceram juntas. A linguagem (falada e escrita) nasceu da vontade de expressão e comunicação do pensamento e a música, como as demais artes, da necessidade de dinamizar e embelezar a própria linguagem.


Das sensações de dor, alegria e prazer, dos murmúrios de tristeza nasceu o canto. Da necessidade de marcar o ritmo, que inicialmente se deu com as mãos e os pés, nasceram os instrumentos. Essas formas evoluiram porquê o homem tem muito dentro de si para expressar e evoluir, e a comunicação de seu pensamento se dá de forma cada vez mais dinâmica e bela.


ETIMOLOGIA DA PALAVRA MÚSICA

O vocábulo “música” vem da língua grega. Os latinos (romanos) propagaram a palavra para o mundo. “Techne (técnica, arte) mousikê (musas), para os gregos, era a arte das musas, as divindades da beleza, as belas artes, principalmente aquela cujo elemento básico era o som.

Eram nove as musas: Clio (história), Talia (comédia), Erato (poesia erótica), Euterpe (música), Polínia (poesia lírica), Calíope (eloquência), Terpsícore (dança), Urânia (astronimia), Melpômene (tragédia).

Música, portanto, para os gregos, tinha um sentido mais amplo que o atual. Mousikê era toda a cultura da arte, educação da alma. Estava ligada à vida social do povo grego, às suas festas, religião, suas manifestações culturais, sendo que entre eles a música atingiu elevado grau de desenvolvimento. Contudo pouquíssimo ou nenhum documento sonoro desse período chegou até os nossos dias, apenas tratados teóricos nos falam do elevado grau que atingia então essa arte na Grécia Antiga. Esses extensos tratados, foram escritos por matemáricos e filósofos gregos como Ptolomeu, Pitágoras e Aristóxeno de Tarento (320 anos antes de Cristo) que escreveu um tratado científico sobre o ritmo, cujos fundamentos são aplicados até hoje quase sem nenhuma alteração.